(Buenos Aires) Cemitério da Recoleta e seus mistérios sobrenaturais
- Aline Borges
- 17 de jul. de 2017
- 10 min de leitura
Pode parecer um pouco inusitado e meio macabro, mas fazer uma paradinha para apreciar o Cemitério da Recoleta é basicamente uma parada obrigatória caso você esteja de passagem, pois além de ter histórias muito interessantes, este cemitério pode ser considerado um museu devido a grande quantidade de obras de artes que podem ser encontradas por lá. Este local abriga muitos 'moradores' especiais, ora por serem personalidades da política, cultura, arte ou ciência, ora por suas histórias misteriosas e seus casos particularmente peculiares.
Vale muito a pena fazer uma visita guiada neste local. Minha dica é fazer esta visita com algum dos funcionários do cemitério que ficam logo ali na entrada, pois outros guias particulares costumam a cobrar uma propinita (gorjeta) para acompanhar o passeio. O interessante é que todos os dias há uma visita guiada gratuita às 15hrs, ou seja, vale programar a visita neste horário para conhecer as histórias que estão por lá, e caso você queira economizar alguns pesos, você pode também discretamente se juntar a algum aglomerado de pessoas e aproveitar a visita com outros turistas sem ter que gastar com um guia particular apenas para você.
Sem dúvida, o túmulo mais famoso é o de Eva Perón (Evita), talvez a mais famosa personalidade argentina, mas já vou dar um spoiler para que você não fique muito decepcionado: o túmulo de Evita é difícil de ser localizado e é muito simples. Não tem nenhuma obra monumental e bela como maioria dos túmulos e mausoléus espalhados por lá, na realidade, nada mais é que um pequeno compartimento junto com os demais membros de sua família, e que carrega seu nome. Mas claramente, se você já está por lá, vá conferí-lo e siga este mapa pra não se perder (como eu):


(Este no caso, é o túmulo de Evita e sua família)
Agora vamos a parte da resenha que eu mais estava ansiosa para dividir com vocês: Os mistérios que envolvem o Cemitério da Recoleta. Eu infelizmente (ou felizmente) só vim a descobrir depois da minha viagem, que este é o considerado o segundo cemitério mais mal assombrado do mundo (só perde para o Lafayette Cemetery em New Orleans, que abriga inclusive o túmulo da rainha do voodoo, Maria Laveau).
Enquanto eu estava gravando alguns snaps meio toscos, tive uma experiência bem cabulosa, pois além de perdida naquele labirinto de mausoléus, meu celular simplismente travou e desligou sozinho enquanto eu filmava e comentava sobre uma estátua macabra toda preta (que cá entre nós, mais parecia saída de um seriado de terror, tipo American Horror Story). Detalhe: O celular era novo e recém adquirido, e mesmo até hoje, mais de 1 ano após a viagem, ele nunca desligou sozinho. Pense num fiofó que trancou de um jeito que não passava nem wi-fi? Pois é, era o meu no caso.
Um dos primeiros túmulos que fotografei e que me chamou a atenção foi o de Rufina Cambaceres (veja a foto abaixo). Coincidentemente, sua história é uma das mais famosas, e dizem que até hoje, Rufina vaga por lá. Vou começar a contar algumas das histórias mais interessantes e curiosas, e algumas das lendas mais medonhas e bizarras que descobri, começando pela mais clássica :
1 . Rufina Cambaceres (La que despertó de su muerte)
Nascida em 1883, filha do autor Eugene Cambaceres, Rufina cresceu em conforto e riqueza. Perdeu o pai ainda muito cedo, e vivia apenas com sua mãe. Era descrita na época como uma das mais belas da cidade, porém solitária. Às vésperas da grande comemoração de seu aniversário de 19 anos, onde seria apresentada à alta sociedade e levada ao Teatro Cólon, soube que seu namorado estava tendo um caso afetivo com sua mãe. A revelação foi tão forte, que lhe causou uma parada cardíaca. Foram convocados 3 médicos para atendê-la, e todos afirmaram que ela havia de fato falecido. Rufina foi enterrada no dia seguinte e vários dias depois, foi relatado que seu caixão havia sido encontrado aberto e com a tampa quebrada. A princípio, houve a hipótese de roubo, porém haviam muitas marcas de unhas na parte interna do caixão e além disto, seu corpo foi encontrado retorcido e com o rosto desfigurado, o que mais tarde passou a fazer sentido: Rufina na verdade foi enterrada viva. Ela sofria de uma doença chamada 'catalepsia', que provoca rigidez e sinais vitais baixos, e devido a falta de conhecimento da época, ela foi considerada morta e enterrada ainda com vida. Estimasse que a jovem acordou já dentro do túmulo lacrado e que enquanto tentava desesperadamente escapar, acabou de vez falecendo sufocada. Seu túmulo reflete a beleza e a tristeza de sua curta vida, e através do vidro por trás de sua escultura, é possível ver seu caixão belamente cinzelado. Escultura a qual mostra a moça por sua vez, saindo livremente do túmulo.
Há relatos de que até hoje, Rufina vai de túmulo em túmulo verificar se ninguém foi sepultado vivo como ela.

2 . Liliana Crociati (La prometida e su perro)
Esta é uma história triste e ao mesmo tempo surpreendente, pois mostra uma conexão de muito amor entre dono e seu animal de estimação. Liliana Crociati de Szaszak casou-se aos 26 anos e viajou à Áustria com seu marido para comemorarem a lua-de-mel, porém, acabou falecendo soterrrada devido um avalanche que atingiu seu quarto de hotel. No mesmo dia, separados a mais de 14 mil quilômetros de distância, seu amado cachorrinho de estimação Sabú, também veio a falecer na Argentina. Seu túmulo a possui uma estátua de Liliana em tamanho real, usando seu vestido de noiva e seu anel de casamento, ao lado de seu melhor amigo Sabú que também foi enterrado junto a ela. Como tradição, muitos que visitam o sepulcro passam a mão no focinho de Sabú (note na foto que postei abaixo como o focinho da estátua está desgastado); Há duas versões para isso: uma diz traz boa sorte, e outra, garante um retorno à Buenos Aires. Além disto, há uma placa abaixo das estátuas, que exibe um poema em italiano, escrito pelo pai de Liliana, o poeta José Crociati :
A Mia Figlia
"Solo mi chiedo il perché Tu se partita e distrutto hai lasciato il mio cuore Che te solamente voleva, perché? Perché? Solo il destino sà il perché e mi domando perché?
Perché non si può stare senza te, perché? Tanto bella eri che la natura invidiosa ti distrusse, perché? Perché, solo mi domando se Dio c'é, con se porta via ciò che suo non è Perché ci distrugge e lascia all'infinito il dolore!
Perché? Credo al destino e non a te, perché? Perché solo sò che sempre sogno con te, perché c'é di che? Per tutto l'amore che sente il mio cuore per te. Perché? Perché?
Il tuo papá"
(Tradução)
"À minha filha Somente me pergunto o porquê Tu te foste e deixaste meu coração destruído O qual apenas te queria, por quê? Por quê? Apenas o destino sabe a razão, e eu me pergunto: por quê? Porque não podemos ficar sem ti, por quê? Tu eras tão bonita que a natureza, invejosa, destruiu-te. Por quê? Apenas me pergunto por que, se há um Deus, ele leva-te em Seu nome. Porque ele nos destrói e nos deixa numa eternidade de tristezas! Por quê? Eu acredito no destino, não em Você. Por quê? Porque apenas sei que sempre sonho contigo, por que isso? Por todo o amor que meu coração sente por ti. Por quê? Por quê? Teu Papai"
OBS: (Se você não se emocionou com essa história, você definitivamente não tem coração)

3 . Elisa Brown (La nobia del Plata)
Sem dúvidas, esta é uma das histórias de amor com o final mais trágico que pode se encontrar pelo cemitério da Recoleta. A jovem Elisa Brown, de 17 anos, era filha do famoso almirante Guillermo Brown e estava noiva do comandante Francis Drummond. Ambos, pai e sogro, lutavam na Guerra Cisplatina (um conflito armado entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata), eis que Francis morre durante uma das batalhas nos braços e sob às ordens de seu sogro . Seu último desejo foi que entregassem à Elisa o relógio que ele estava usando. Mesmo após oito meses da morte de seu amado, Elisa não foi capaz de superar esta triste perda, e num ato desesperado, se joga no Rio da Prata, usando o vestido de noiva que havia encomendado para seu casamento, e desta forma acaba morrendo afogada. Seus restos mortais estão dentro de uma urna que curiosamente foi produzida com o bronze de um dos canhões do navio usado por Francis durante a guerra.
4 . David Alleno (El descanso del sepulturero)
Temos aqui um dos famosos casos que seria cômico se não tão fosse trágico, mas que de qualquer forma é muito bizarro, afinal, basicamente se trata da história de um coveiro que se matou pra estrear seu próprio túmulo (ué?). Parece um pouco absurdo, mas desde seus primórdios, o cemitério da Recoleta era um endereço fúnebre, mas um tanto quanto sofisticado e desejado, já que abrigava em sua maioria, 'moradores' de alta sociedade argentina. E ser enterrado com tanto estilo era um sonho (bem macabro, convenhamos) e maior desejo do coveiro David Alleno que ali, inclusive trabalhou no cemitério durante 30 anos. Seu desejo de ser enterrado por lá era tão grande que ele passou quase a vida toda economizando cada centavo para realizar seu sonho e com a ajuda de seu irmão, fez uma viagem até a Itália para encomendar sua póstuma escultura com um peculiar detalhe: o ano de sua morte (1910) antecipadamente já esculpido em sua lápide. E foi justamente neste ano que o coveiro conseguiu arrecadar toda a verba pra bancar seu cantinho no cemitério. No dia em que sua tumba ficou pronta, David notificou a administração do cemitério de que não iria mais trabalhar ali, se despediu de seus colegas e ao chegar em casa, se suicidou com um tiro. Em seu túmulo há uma estátua que o representa com sua roupa de trabalho, uma regadeira, uma vassoura, um molho de chaves e a seguinte frase "David Alleno, cuidador en este cementerio 1881-1910"; em cima da tumba está o nome do irmão que o ajudou a pagá-la, Juan Alleno. Há rumores de que ele é uma das almas penadas que assombra o cemitério da Recoleta, e alguns relatos dizem que pode-se ouvir o barulho de suas chaves caso você esteja perambulando pelo local antes do amanhecer.
5 . Luz María García Velloso (La dama de blanco)
Luz María, ou mais conhecida como a 'Dama de blanco', é protagonista de uma das mais famosas lendas sobrenaturais que acercam o cemitério. Faleceu ainda muito jovem (1910-1925) de leucemia, e seu jazigo se destaca pela bela escultura da jovem adormecida e rodeada de belas flores, obra do conceituado escultor Víctor Godín. Filha do escritor Enrique Garcia Velloso, Luz María cresceu em um ambiente muito intelectual e tinha um encanto muito grande em recitar poesias durante reuniões familiares. Após sua morte, muitos poetas dedicaram versos à ela, os quais podem ser vistos na parede lateral de sua cripta. A morte prematura da filha única, abalou muito a família, que nela depositava todos seus sonhos de um futuro brilhante. Tamanha foi a dor que a família obteve uma permissão especial do cemitério para que a mãe pudesse peroitar ao lado da cripta de sua filha, e por vários meses ela ali permaneceu chorando e dormindo. Muitos afirmam que por conta disto, Luz não podia descansar em paz e partir desta 'pra uma melhor'.
Lendas dizem que acerca de1930, um jovem da alta sociedade enquanto caminha em um cruzamento próximo ao cemitério e nota uma jovem mulher em um vestido branco abraçada a suas pernas aos prantos. Surpreso, o rapaz vai até a moça e lhe oferece um lenço para secar suas lágrimas e à convida para tomar um café, afim de que se acalme e pare de chorar. Ele lhe oferece também seu casaco, pois a moça tremia e aparentava sentir muito frio. Os dois conversam entusiasmados por horas, porém antes do anoitecer a jovem diz que tem de ir embora, e se levanta abruptamente da mesa, derramando café do lado direito do casaco. Afim de encontrá-la novamente, o rapaz diz que ela pode levar seu casaco e que no dia seguinte iria até a casa dela buscá-lo, porém quando ele vai à casa dela, é recebido pela mãe da jovem que diz que a mesma já havia morrido a anos e que estava enterrada no cemitério da recoleta. Incrédulo, ele vai até o cemitério e encontra seu casaco com a mancha de café sob o túmulo de Luz María e reconhece na escultura o belo jovem da encantadora moça que havia conhecido. Há versões que dizem que ao saber da fatídica verdade, o rapaz se suicida ou enlouquece. Outras versões desta lenda também dizem que a garota pode ser vista do lado de fora do cemitério em busca de um amor que não pôde encontrar em vida (há relatos de homens que a viram na frente do cemitério, e que ao seguí-la adentro do cemitério, seu corpo se desmaterializa entre os túmulos e ela desaparece) ou que simplismente não conseguiu partir, pois não poderia deixar sua mãe sofrer e acabou por ficar apenas para confortá-la

6 . Salvador María del Carril e Tiburcia Dominguez
(Separados hasta en la muerte)
Contrariando os votos do matrimônio, este casal permaneceu separado na vida e em sua morte: esta é a curiosa história de 'desamor' do de Salvador Maria del Carril e de Tiburcia Domínguez del Carril. Apesar de ser vice-presidente, governador e ministro, Salvador foi lembrado principalmente por seu péssimo relacionamento com sua esposa. Casados em 28 de setembro de 1831, tiveram um início de casamento perturbado devido o exílio de 20 anos que os proporcionou uma vida muito difícil; sem dinheiro, chegaram até a fabricar sabão e vender aos vizinhos para poderem sobreviver. Após voltar a seu país, o casal voltou a brilhar, com grandes extensões de terras e com cargos influentes. Apesar dos 7 filhos, a vida a dois começou a se desgastar a ponto do vice-presidente argentino não compartilhar mais nada com sua esposa. Tiburcia por sua vez, ao notar o desinteresse do marido, gastava mais do que devia e alegava que se o marido não se importava em amá-la, não se importaria com o quanto gastasse. Eis que em certo dia, Salvador afirmou através de uma nota em um dos principais jornais de Buenos Aires que não seria mais responsável por pagar as dívidas. A publicação foi tão humilhante e despertou tanta amargura em Tiburcia, que a partir deste dia ela decidiu nunca mais lhe direcionar a palavra, e assim ficaram mais de 30 anos sem se falar (eita preula). Em 1883 vítima de pneumonia, falace Salvador, que recebe um imponente mausoléu construído às ordens de sua esposa. Quinze anos após sua morte, Tiburcia morre, mas deixa um último desejo em testamento: "Eu não quero olhar na mesma direção que meu marido para eternidade". Seguindo seu pedido, a família pediu que seu busto fosse colocado de costas ao monumento de Salvador. Enfim, unidos por seu rancor em vida, morreram foram separados por seu ódio eterno.
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